"O PROFESSOR"
         Fernando Brant

"A IMAGEM DESSA PESSOA QUE PASSOU SUA VIDA ENSINANDO, QUE TINHA PACIÊNCIA DE ENTENDER O BANDO DE JOVENS IRREQUIETOS , DESSE HOMEM DO BEM E DO SABER, ME COMOVE ATÉ HOJE"
 

    "Há muito tempo não vejo passando pelo meu caminho o professor Vieira, Antônio como o grande dos sermões. Era professor no Colégio Arnaldo e morava na avenida Getúlio Vargas, em uma casa que, para variar, foi derrubada para dar lugar a um prédio moderno. Este adjetivo, moderno, que não traz em si nenhuma noção de valor, de tempos em tempos é levantado como bandeira de movimentos estéticos, sociais e políticos, e muitas vezes é usado para esconder falta de consistência e conteúdo. O que é moderno pode ser bom, como pode ser ruim, a qualidade não está no simples fato de ser algo atual.
     Mas voltando ao professor Vieira, ele dava aulas de português, latim, história e matemática. Em todas era bom, além de ser querido de todos os que passavam por suas classes.Tanto que, ano após ano, era escolhido paraninfo das turmas que se formavam no ginásio. A imagem dessa pessoa que passou sua vida ensinando, que tinha a paciência de entender o bando de jovens irrequietos que se revezavam sob seu comando e que estavam, às vezes, muito mais interessados no recreio, na bola, no cigarro ou no futebol__ a imagem desse homem do bem e do saber me comove até hoje.
     Ele era democrático e justo, dentro de uma instituição que era muito chegada ao autoritarismo e à punição. Albert Camus, menino pobre na Argélia, órfão, filho de uma família de analfabetos, teve a sorte de conhecer um mestre que previu seu potencial e fez com que sua família consentisse que ele
continuasse estudando. A mão e os ensinamentos que recebeu tornaram possível que ele viesse a ser reconhecido em todo o mundo e alcançasse a glória de ser prêmio Nobel de literatura. Este é um caso especial, mas, em grau menor, esse tipo de fato ocorre sempre e em todo lugar onde exista um homem ou uma mulher que escolhe distribuir amorosamente seus conhecimentos aos seus alunos.
     Quando tento visualizar o professor de Camus, eu vejo na minha frente o Vieira e sua dedicação, sua grande capacidade de falar aqui em números e teoremas, ali explicar as declinações e conjugações latinas, mais adiante descrever os sinuosos e belos caminhos da língua portuguesa. Eu me lembro até hoje da sua explicação sobre a guerra que os Estados Unidos provocaram contra os mexicanos para tomar o filé de seu território: Texas, Arizona, Novo México, Califórnia. Era a terceira série de ginásio, hoje sétima do primeiro grau (já lá se vão quase 40 anos) , e a dissertação foi tão clara e serena que ficou guardada e me volta sempre que assisto às demonstrações de poderio e arrogância dos americanos do Norte. Não havia nenhum engajamento político em sua fala, era apenas História sendo ensinada aos adolescentes do colégio de padres alemães."

Crônica de Fernando Brant, publicada  no "ESTADO DE MINAS" do dia 06 de março de 2002, quarta-feira, em Belo Horizonte-MG.

O Professor Vieira nos dias de hoje:


Dois anos depois deste artigo do Fernando Brant, foi-se o nosso professor, aos 90 anos de idade, como sempre sozinho e sem depender de ninguém. Foi sem data, anúncio, sinal ou aviso prévio. Que Deus o tenha.

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